Uso das redes sociais e a vida além dos likes

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Lembra quando a gente passava horas olhando para o céu adivinhando os desenhos das nuvens? Ou quando, crianças, um caixa de papelão se tornava uma asa? E aí voávamos. O tédio nos permite imaginar. Mas hoje fugimos dele. Porque recorremos ao uso das redes sociais e corremos sem parar rumo aos likes. Os aplicativos deixaram de ser um meio para ser um fim. Se não postarmos, não vivemos. Se deletarmos, morremos.

Mas se você não está pagando por um serviço ou produto, o produto é você. Já imaginou os cientistas mais bem pagos do mundo estudando como prender sua atenção por mais um minuto? A disputa bilionária pelo nosso tempo. E aí criam um novo botão de like, um novo filtro e novas medidas. Curtidas, visualizaçoes, seguidores.

Da mesma forma, fomos acostumados a medir o peso, a comida, o tamanho da cintura. No consultório, digo aos meus pacientes que entendo suas obsessões porque já estive nelas. Na verdade, nunca deixei de estar. A diferença é a consciência e a estratégia.

Como você usa o seu tempo?

Quando nos perguntam se temos controle do mundo digital, dizemos que sim.

Até tentarmos um detox e nos percebermos ridículos buscando o celular, ansiosos ou sem conseguir passar dois dias sem o aplicativo deletado. Me falaram sobre um projeto “Entediados e brilhantes”. Por que o nome? Porque é nesse estado mental que mais somos criativos.

Não é à toa que dizem que as melhores ideias surgem no banho. É que ainda não achamos uma maneira de usar as redes sociais e ver stories debaixo d'água. A geração Z não sabe nem descrever o que é tédio. E é a que sai menos com os amigos, faz menos sexo, pratica menos esportes e tem mais depressão. A sua droga são as redes sociais. Com as mentes cheias, criamos cada vez menos asas. Voamos menos. Ficamos estáticos, desejando outras vidas, outras medidas.

Aprendi como nutricionista que ao medir menos a comida, comemos melhor. E to começando a entender que ao medir menos nas redes sociais, vivemos mais o mundo real. Tudo que damos nossa atenção, damos o nosso valioso tempo (e, por fim, a nossa vida). E se, só hoje, para começar, medíssemos apenas as horas que gastamos com o uso das redes sociais?

E aí, quem sabe, assustados com o resultado, fossemos para janela adivinhar as formas das nuvens?

O uso das redes sociais te deixa insatisfeita com a própria vida?

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As viagens mais legais. Os corpos bronzeados. Sarados. Felizes. O tempo todo. Mesmo em casa. Jantares a dois. Vinho, cordeiro, risoto. Como amam e são amados essas pessoas do instagram. E, entre as fotos e stories de vidas mais felizes que a minha, estão os anúncios.

Como eu aviso ao instagram que eu não estou interessada em ter um abdômen definido em 1 semana?

Quer dizer, como eu aviso ao instagram que me ajude a ser como aquela mulher-bem-resolvida-corpo-livre-que-não-está-interessada-em-ter-um-abdômen-definido-em-uma- semana?

Como eu digo ao instagram que não quero fazer mais cursos de inglês ou roupas estilosas para usar na quarentena? Bem, eu não quero. Mas entre um anúncio e outro estão lá, aquelas pessoas sorridentes e seus móveis modernos, plantas bem cuidadas, roupas estilosas mesmo em casa, sendo produtivas e criativas.Eu nem queria tudo isso, há 10 minutos atrás. Mas agora eu queria mesmo era não querer. O uso das redes sociais faz isso com a gente.

Lembrete: não existe vida perfeita

Sabe a melhor forma de convencer alguém a comprar algo? Quando elas estão sentindo que deveriam ser muito mais do que já são. Quando elas olham em volta e sua casa não tem brilhinhos, trilha sonora ou um aspecto vintage daquele filtro que você adora.

Sabe a melhor forma de uma rede social fazer você utilizá-la? É dar a sensação que você pode também ser assim. É só baixar os filtros que escondem as olheiras e aliviam as rugas. Tirar 50 takes de selfie. Ajustar a iluminação. Sorrir de 50 formas diferentes. Fotografar aquele cantinho legal sala. Do jantar. Da vida.

Frustração-endorfina-frustração-endorfina.

Funcionamos exatamente como o feed do insta: os posts e likes nos viciam, mas não ainda nos resta o vazio da realidade, que repetidamente tentamos preencher consumindo os anúncios.

E quando não estamos usando as redes sociais, nem postando, nem comprando, ficamos lá assistindo outros recortes e imaginando o que ainda somos de menos.

Olha, tá tudo bem não ser perfeita. A vida real não tem filtro, recorte ou ring light - e seria muito exaustivo se tivesse. Poste. Role sua tela do instagram. Mas não deixe de lembrar que são nos takes de selfie mais tronxos, na cara amassada de sono, na parte bagunçada da casa onde mora nosso real potencial de ser feliz.

A vida vai muito além do que podemos medir

Essa mania com o uso das redes sociais faz a gente julgar muito mais quem somos, faz querer medir nossa vida, enquadrar nossos corpos e calcular os likes que recebemos. Se agora você pensa que essa cobrança talvez seja injusta, leia com carinho o que escrevi:

A vida é muito mais do que subir e descer da balança.

Do que contar calorias.

Do que se sentir mal a cada garfada ou depois daquele pacote de biscoitos.

A vida deveria ser muito mais do que o nosso olhar torto no espelho.

Mas eu sei que às vezes é isso mesmo.

Subir e descer da balança. Contar calorias. Comer e sofrer. Ou não comer e sofrer mesmo assim.

Porque alimento é a base da vida. Sem ele, não existimos.

Mas é preciso lembrar que ela pode ir além. Que nosso corpo tem tanto para nos ensinar.

Ele sente frio. Calor. Tesão. Amor. Bronzeia quando sente o sol. E já percebeu que nenhum suspiro é em vão? As vezes ele voa, mesmo no chão. Sonha. Vibra. Treme. Os calafrios também - sempre t​ê​m algo a dizer. Assim como o gelo na barriga.

O arrepio. O entusiasmo. Às vezes dança e nem nota.

O corpo tem mil maneiras de falar. De amar. De sentir.

O corpo está vivo e é muito mais que um número na balança.

Pelo menos deveria ser. Vale muito mais do que cada hora que passamos odiando-o.

O corpo é um lar, uma aventura, um motor.

É nosso meio de transporte mais incrível, absurdo e perfeito.

É o que nos permite viver.

E a vida há de valer mais que um olhar tronxo no espelho.

Que tal um sorriso? Só por hoje, ninguém vai ver, mas o corpo, poderoso que só ele, há de sentir.

Gostou do texto? Eu tenho uma abordagem gentil com a nutrição e no tratamento de transtornos alimentares. Se quiser me conhecer melhor, entre em contato.

AcolhimentoEllen Cocino