Compulsão Alimentar e Ansiedade: qual a relação?
A compulsão alimentar e a ansiedade já foram relacionadas em diversos estudos médicos. Dessa forma perceberam que a comida, através do transtorno de compulsão alimentar periódica, aparece para muitas pessoas como alternativa para lidar com sentimentos desagradáveis como ansiedade, solidão, tédio e culpa.
Talvez isso aconteça com frequência na sua vida:
Você estava sentada no sofá, de noite, um pouco entediada, até ouvir coisas como “Vamo ali na geladeira só ver o que tem.”; “Levanta. Vem cá. Tem uma coisinha gostosa pra você aqui”; “Vai que esse vazio que você está sentindo passa... vem comer um pouquinho”.
Chegando na cozinha, você simplesmente comeu. Comeu de tudo, bem rápido, sem pensar muito, mal sentiu o gosto. Depois, parou. Tirou a comida abruptamente de perto de você. Sentiu dificuldade de respirar, então se esforçou pra respirar fundo e se sentiu desconfortavelmente cheia.
Foi pro seu quarto pensando como que você pôde comer tanto? De novo? Sem motivo, sem fome, sem vontade. Você sentiu culpa, sentiu repulsa por você mesmo e só queria que aquele sentimento fosse embora.
Então é hora de perceber que quem te chamou foi você mesma, ou melhor: o seu transtorno de compulsão alimentar periódica.
Não existe motivos para ter vergonha. O mais importante é perceber que você pode buscar ajuda especializada para tratar e ter uma relação mais saudável com a comida e com suas emoções.
Nesse artigo quero falar sobre fatores emocionais e psicológicos associados ao comportamento de quem enfrenta a compulsão alimentar. Vamos?
Afinal, o que ansiedade tem a ver com compulsão alimentar?
Um círculo vicioso se estabelece quando uma pessoa ansiosa encontra na comida uma forma de aliviar essa ansiedade. Isso porque é o emocional que desperta a compulsão alimentar.
Por sua vez, a compulsão alimentar está relacionada às causas da obesidade, mas também gera o sentimento de culpa após cada episódio.
O sentimento de culpa e os estereótipos de padrões de beleza que promovem a busca para atingir o inatingível são fatores que causam ansiedade.
E assim o indivíduo novamente busca a comida para obter prazer e aliviar a tensão.
Além disso, os sintomas da compulsão alimentar tendem a crescer com o aumento do nível de depressão e ansiedade e a diminuição do nível de auto estima das pessoas.
Ansiedade
Em seu estudo na área de psiquiatria, o pesquisador Miller de Paiva demonstrou que o termo ansiedade deriva do sânscrito antigo, da palavra “amhs” - que quer dizer “tristeza” e “dor”. Assim como outros termos como angústia, raiva e aflição.
Em latim, o que corresponde à ‘amhs’ é “anger” que significa algo como estrangulação e angústia.
Você já deve ter ouvido falar de Freud, afinal, ele é um dos nomes mais importantes da psicologia. Em uma conferência no ano de 1973, ele usou o termo “angst” em alemão para se referir à ansiedade. Posteriormente fez uma tradução livre do latim para inglês: “anxiety” - como é usamos até hoje.
Freud também classificou 2 tipos de ansiedade. A ansiedade real está atrelada ao instinto de conservação dos indivíduos, que causa uma reação diante de um perigo previsto.
Já a ansiedade neurótica é uma reação para perigos irreais. Dessa forma, as pessoas que sofrem de ansiedade estão constantemente preocupadas com eventos futuros e seus pensamentos estão focados nas piores possibilidades.
Outro motivo para relacionar ansiedade e compulsão alimentar é porque compensação emocional é uma das principais causas de transtornos alimentares.
Obesidade, compulsão alimentar e ansiedade
A tese de doutorado de Ione Coletty pela Universidade de Campinas em 2005 relaciona muito bem esses 3 fatores.
O pesquisador em transtornos alimentares Isnard aparece como referência com seus estudos de 2003 sobre a relação entre ansiedade e compulsão alimentar em adolescentes obesos.
Ao observar, entrevistar e aplicar testes com adolescentes e mulheres obesas (em outras pesquisas), Isnard percebeu que a ansiedade e a depressão podem ser as dimensões mais importantes associadas com compulsão alimentar.
Outros estudos de Ione Coletty mostram que a relação entre obesidade e ansiedade pode ser notada ainda na adolescência. Quando há também baixa da autoestima e mau desenvolvimento da autonomia alimentar - ou seja, quando o comer emocional está atrelado a educação desde a infância.
Acho importante ressaltar que nem todo mundo que tem compulsão alimentar é obeso ou sobrepeso. Muitas vezes esse estereótipo atrapalha a identificação de transtornos alimentares.
Inclusive, na pesquisa de Ione, foi concluído que a obesidade severa não implicou em fortes sintomas de compulsão alimentar.
Por outro lado, maiores níveis de compulsão alimentar aparecem atrelados a maiores níveis de ansiedade.
Existem pessoas que sofrem com episódios de compulsão alimentar periódica mas não possuem o transtorno. Esse é o caso de quem vivencia menos de 2 dias por semana ao longo de 6 meses. Leia neste outro artigo os sintomas dos principais transtornos alimentares.
Nesses estudos há destaque para os relatos de pessoas com TCAP (transtorno de compulsão alimentar periódica) de sofrimento intenso por comerem compulsivamente, sem controle. Isso porque estes episódios são relacionados e ativados por sentimentos de depressão e ansiedade. Essa é a busca por alívio da tensão na hiperfagia.
Associar para tratar
Desde a antiguidade greco-romana observa-se a relação entre peso, alterações de apetite e depressão. Apesar disso, há mais de 2500 anos a maneira de tratar a obesidade é quase a mesma.
Ainda bem que hoje em dia cada vez mais pessoas que querem perder peso procuram um tratamento multidisciplinar e terapia com psicólogos.
Isso é muito importante, já que os tratamentos clínicos se mostram pouco efetivos na manutenção definitiva da conquista da perda de peso - sem falar que algumas práticas causam ainda mais sofrimento.
Quando eu busquei o viés do comportamento alimentar na nutrição foi porque compreendi que as pessoas com transtornos alimentares possuem questões emocionais atreladas à comida, entre outros fatores também.
Hoje percebo que cada pessoa deve redescobrir novas formas de prazer e estabelecer uma rotina com menor propensão à ansiedade. Assim, é possível interromper o círculo vicioso.
A compulsão alimentar periódica também se manifesta de outras formas: quando você está cansada, frustrada, entediada ou no meio de uma crise de ansiedade algo dentro de você sugere “Sabe o que cairia bem agora? comida!”.
Já escrevi aqui no blog sobre “Como tratar compulsão alimentar?” e lá informações para você entender as fases do tratamento.
Acredito que para se obter um tratamento mais humano é importante ampliar o olhar para o que, de fato, envolve O COMER.
Entenda a importância de identificar suas emoções
É difícil ser você mesmo diante das emoções mais doloridas. Mesmo quando a gente desiste de sentir, a gente continua vivendo e alguma coisa que não escolhemos assume o controle.
O filme-animação DivertidaMente mostra os sentimentos da jovem Riley no processo de mudança de cidade. É interessante porque as emoções Tristeza, Alegria, Nojinho, Raiva e Medo viram personagens e lutam pelo controle das decisões da menina. Fica uma grande confusão quando a Tristeza e a Alegria ficam de fora da sala de controle do cérebro de Riley. Vale a pena assistir!
Desde bebês estamos aprendendo a nos relacionar com a comida. Se você chorava quando bebê e a primeira coisa que ofereciam era o leite, isso pode ter te ensinado que toda angústia pode ser resolvida com o alimento.
Quando crescemos, vamos assimilando alimentos do nosso contexto com diversas emoções. Assim, a comida vai além da satisfação da fome e da necessidade fisiológica de energia.
O alimento assume significados, desde prêmio a castigo, de amor à tristeza. O alimento é capaz de representar diversos sentimentos na nossa vida. Muitas vezes associamos com prazer, acolhimento, segurança, satisfação e alívio de tensões.
Algumas pessoas desenvolvem o mecanismo de comer e buscar nos alimentos a compensação para frustrações, solidão, fracasso, abandono e angústia, ou para dissipar raiva e tensões. O transtorno de compulsão alimentar periódica é visto dessa forma.
A criança que não identifica corretamente seus desejos, sentimentos, necessidades, não identifica a diferença entre a fome e a vontade de comer.
Problemas de ordem emocional devem ser tratados nessa dimensão, por isso é importante estar atento para SENTIR ao invés de comer suas emoções.
No entanto, o comer emocional e a compulsão alimentar são tentativas de fugir da ansiedade e de outros sentimentos desagradáveis.
Se comemos chocolate quando estamos tristes pra fingir que não estamos, quando vamos assumir a tristeza? olhar para dentro, reconhecer de onde vem, chorar e até pedir colo para uma pessoa querida, ou você mesma se abraçar.
É preciso coragem para entender que podemos ficar vulneráveis um pouco, sentir dor, sentir tristeza, sentir medo, sentir preocupação e até sentir fome. Nós precisamos nos permitir sentir esses desconfortos porque - assim como as coisas boas - eles fazem parte de nós.
Ao invés de lutar contra você mesma, busque acolhimento. Eu recomendo procurar um tratamento especializado em transtornos alimentares com profissionais como psiquiatras, psicólogos e nutricionistas.
Lembre-se que não é questão de força de vontade, nem de dieta, muito menos de emagrecimento.
Acredito que todo mundo que enfrenta um transtorno alimentar deve buscar uma relação mais saudável com a comida e de acolhimento do próprio corpo.
Você tem curiosidade e quer saber mais sobre compulsão alimentar? Participe do primeiro Workshop em Compulsão Alimentar, dia 09 de maio em Recife. Clique aqui para garantir seu ingresso.
Eu faço parte da organização do evento e posso garantir que tudo está sendo pensado com muito carinho. <3 Nutricionistas, educadores físicos, psicólogos e psicoterapeutas vão compartilhar informação e experiência em comportamento alimentar. Vamos?